Circo da Memória

 

Como ao final de espetáculo,

circo em vilarejo–

lona remendada,

maquiagem borrada, roupa surrada–

os artistas retornam.

 

E acenam mãos

felizes

de gestos soltos.

E sorriem lábios largos

e dentes em luz.

Indiferentes a cerzidos

–peneira de chuvas–

à serragem–camadas de sobras–

ao picadeiro–trotes de falhas e faltas,

 sarabanda de esquecimentos,

hoje, cedinho, voltaram.

Todos.

E, em sintonia cronológica,

juntaram-se, lado a lado,

numa fotografia.

Súbito, ao pano de fundo

 

daquela parreira,

abro aquarela realista

de outra há muito sumida.

E lá estão avós e bisavós

e a tia viúva.

Alguns sorriem.

Outros carrancam.

 

Até parentes quase esquecidos

olham para dentro de mim.

Os mais velhos sentados e uns moços,

hoje tão velhos, de pé.

E, nós, crianças,

no carinho macio dos sentados.

Éramos loiras e miúdas

— frágeis e assustadas–

sob a sombra de folhas fartas.

E os pais deslocados

Entre convivas  sisudos.

E os pais jovens,

a mãe tão grávida

e bonita

mas de olhar distante.

A videira,

em gris, os acolhe.

E a menina de curativo no joelho

e a menina com olhar de medo

e a menina de olhos azuis

e a menina na barriga,

depois do clique da câmera,

vestidas de arco-íris,

rodopiam pelo picadeiro.

Balançam-se nos trapézios,

brincam com ursos, tigres e leões.

E jogam para a platéia

cachos de uva moscatel.

IMG_4275

 

IMG_0375

2 thoughts on “Circo da Memória

Leave a comment