Calcada à cama e cânulas—repouso e remédio—
Sonha,
Fenece.
Revê seus heróis-amigos
—hora cravada a sabonetes, colônia, dentifrícios—
Pelas frestas sujas de seu radinho de pilha.
Repetem-lhe histórias:
Menina trabalha em casa de rico e esposa morre,
Viúvo casa-se com ela;
Pensão acolhe operário, pintor de paredes, lavadeira e balconista.
Enredo varre quartos, sala e cozinha.
Convento verte segredos pelo limo.
E , flor, tece fiapos de vida a se esvair pelas veias.
Seus olhos
—parados, aos que a percebem—
Sulcam-lhe a inconsciência.
Recriam ficções:
Passado vive presente.
E seus ídolos
Conversam com ela, de mansinho,
Ao som de quieto realejo, na sua esquina.
“A deusa da minha rua[1]
Tem uns
Olhos onde a lua,
Costuma se embriagar.
Nos seus olhos, eu suponho,
Que o sol, num dourado sonho,
Vai claridade buscar.”
E a moça, que um dia fora,
Revê amores & desamores
Diluídos em esperança renascida
Nas vozes do rádio rachado.
E chega ao portão.
Sua rua emerge.
Cadeiras de abrir, chaleira e cuia
Celebram a hora do Aleluia…
Conversas , risadas pela janela
Conclamam o egoísmo dele, seu amor
—festa, pescaria e uma praia sem ela.
E a música segue
“Espelho de minha mágoa
transporta o céu para o chão”.
Na cama,
Entre bandagens e tubos,
Sua alma esgueira-se na transfusão.
São vestidos de chita, bailes, planos,
Novelas e o terço pelos filhos
Impedidos de nascer…
Borboleta,
Asas pesadas de soro
E solidão,
Rodopia ao tempo da ilusão
E pousa.
Asas secam em lençol novo.
Quer voar de volta.
Mas, quieta, flutua.
Moto perpétuo da moça
Cessa…
Pluma, ainda, cicia
E esvoaça:
Quer a graça do presente;
Quer vingar a vida
A definhar no berço
Da esperança caída .
“A ruazinha deserta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz.”
[1] Composição de Newton Teixeira & Jorge Faraj, musica-tema da novela de mesmo nome.
Ficção ? Antes o fosse. Há tantas mulheres, e homens, que deixam de viver o momento para cantar o que passou e/ou colocar tudo num futuro que consentem em torná-lo passado. Esse poema fala de uma delas. Conheci-a ainda no esplendor de seu trinta e tantos anos. E , mesmo saudável e bonita, chorava seu passado que não acontecera conforme havia sonhado. O futuro ela resumia em poucas palavras: “Quem sabe, amanhã…“ E, assim, o foi.
Lindo e ao mesmo tempo triste…. Triste pessoas que esquecem o HOJE, presas ao passado e esperando um amanhã mas nada fazendo pra nele chegar…. Adorei! bjs, chica
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Tu a conheceste bastante! Sabes quem é,mas não fala o nome…Morava numa casa que deixou quase cair. Muito triste! Tinha muuuuitas joias.
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